sábado, 24 de maio de 2014

A Carta-Testemunho de Getúlio Vargas ( O Suicídio)

Mais uma vez, as forças e os interesses contra o povo coordenaram-se novamente e se desencadeiam sobre mim.
 
Não me acusam, insultam; não me combatem, caluniam e não me dão o direito de defesa. Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu não continue a defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes. Sigo o destino que me é imposto. Depois de decênios de domínio e espoliação dos grupos econômicos e financeiros internacionais, fiz-me chefe de uma revolução e venci. Iniciei o trabalho de libertação e instaurei o regime de liberdade social. Tive de renunciar. Voltei ao Governo nos braços do povo. A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho. A lei de lucros extraordinários foi detida no Congresso. Contra a justiça da revisão do salário-mínimo se desencadearam os ódios. Quis criar a liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobrás, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás foi obstaculada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre. Não querem que o povo seja independente.
 
Assumi o Governo dentro da aspiral inflacionária que destruía os valores de trabalho. Os lucros das empresas estrangeiras alcançavam até 500% ao ano. Na declaração de valores do que importávamos existiam fraudes constatadas de mais de 100 milhões de dólares por ano. Veio a crise do café, valorizou-se o nosso principal produto. Tentamos defender seu preço e a resposta foi uma violenta pressão sobre a nossa economia a ponto de sermos obrigados a ceder.
 
Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma pressão constante, incessante, tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo, renunciando a mim mesmo, para defender o povo que agora se queda desamparado. Nada mais vos posso dar a não ser meu sangue. Se as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida. Escolho este meio de estar sempre convosco. Quando vos humilharem, sentireis minha alma sofrendo ao vosso lado. Quando a fome bater a vossa porta, sentireis em vosso peito a energia para a luta por vós e vossos filhos. Quando vos vilipendiarem, sentireis no meu pensamento a força para a reação. Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta.
 
Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência. Ao ódio respondo com o perdão. E aos que pensam que me derrotaram respondo com a minha vitória. Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse povo de quem fui escravo não mais será escravo de ninguém. Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu sangue será o preço do seu resgate.
 
Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto, O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na história.
 
Getúlio Vargas.

A Abertura dos Portos Ás Nações Amiga

"Conde da Ponte, do meu Conselho, Governador e Capitão-General da Capitania da Bahia, Amigo.
 
Eu, o Príncipe-Regente, vos envio muito saudar, como àquele que amo. Atendendo à representação que fizestes subir à minha Real presença, sobre se achar interrompido e suspenso o comércio desta Capitania, com grave prejuízo de meus vassalos e da minha Real Fazenda, em razão das críticas e públicas circunstâncias da Europa; e querendo dar sobre este importante objeto alguma providência pronta e capaz de melhorar o progresso de tais danos: sou servido ordenar interina e provisoriamente, enquanto não consolido um sistema geral, que efetivamente regule semelhantes matérias, o seguinte: Primo: Que sejam admissivéis nas Alfândegas do Brasil todos e quaisquer gêneros, fazendas e mercadorias, transportadas ou em navios estrangeiros das potências que se conservam em paz e harmonia com a minha Real Coroa, ou em navios dos meus vassalos, pagando por entrada 24 por cento; a saber, 20 de direitos grosso, e 4 do donativo já estabelecido, regulando-se a cobrança destes direitos pelas pautas ou aforamentos, por que até o presente se regulam cada uma das ditas Alfândegas, ficando os vinhos, águas ardentes e azeites doces, que se denominam molhados, pagando o dobro dos direitos que até agora nela se satisfaziam. Secundo: Que não só os meus vassalos, mas também os sobreditos estrangeiros, possam exportar para os portos que bem lhe parecer, a benefício do comércio e agricultura, que tanto desejo promover, todos e quaisquer gêneros e produções coloniais, à exceção do pau-brasil ou outros notoriamente estancados, pagando por saída os mesmos direitos já estabelecidos nas respectivas Capitanias, ficando entretanto como em suspenso e
sem
vigor todas as leis, cartas-régias ou outras ordens, que até aqui proibiam neste Estado do Brasil o recíproco comércio e navegação entre os meus vassalos e estrangeiros. O que tudo assim fareis executar com o zelo e atividade que de vós espero.

 
"Escrita na Bahia, aos 28 de janeiro de 1808.
 
Príncipe.". 

Dia do Fico - 1821

O povo do Rio de Janeiro conhecendo que os interesses das Nações reunidos em um centro comum de idéias sobre o bem Público devem ser os primeiros objetos da vigilância daqueles, que estão revestidos do caráter de seus Representantes, e de mais convencido de que nas circunstâncias atuais se constituiria responsável para com as gerações futuras, se não manifestasse os seus sentimentos à vista da medonha perspectiva que se oferece a seus olhos pela retirada de Sua Alteza Real, se dirige com a última energia à presença de Vossa Senhoria, como seu legítimo Representante, esperando que mereçam toda a sua consideração os motivos, que neste se expõem, para se suspender a execução do Decreto das Cortes sobre o regresso de Sua Alteza Real para a antiga Sede da Monarquia Portuguesa.
 
O Povo sempre fiel à causa comum da Nação, julga que não se desliza da sua marcha representando os inconvenientes, que podem resultar de qualquer providência expedida, quando ela encontre no local, em que deve ser executada, obstáculos a esta idéia de prosperidade pública, que o Soberano Congresso anunciou altamente à face da Europa, e que até o presente tem sido motivo de nossa firme adesão aos princípios Constitucionais. Na crise atual o regresso de Sua Alteza Real deve ser considerado como uma providência inteiramente funesta aos interesses Nacionais de ambos os Hemisférios. Não, não é a glória de possuir um Príncipe da Dinastia Reinante, que obriga o Povo a clamar pela sua residência no Brasil à vista do mesmo Decreto, que o chama além do Atlântico: nós perderíamos com lágrimas de Saudade esta glória, que acontecimentos imprevistos, e misteriosamente combinados nos trouxeram, abrindo entre nós uma época, que parecia não estar marcada pela providência nos nossos Fastos, e ao mesmo tempo fazendo a emancipação do Brasil justamente na idade, em que possuído da indisputável idéia de suas forças, começava a erguer o colo para repelir o sistema Colonial; mas a perda desta Augusta Posse é igualmente a perda da segurança, e da prosperidade deste rico, e vastíssimo Continente; ainda avançamos a dizer respeitosamente, que esta perda terá uma influência mui imediata sobre os destinos da Monarquia em geral. Se os Políticos da Europa maravilhados pela Resolução de Sua Majestade o Senhor Dom João Vi em passar-se ao Brasil realizando o projeto, que os Holandeses conceberam quando Luís IV trovejava às portas de Amsterdam, que Filipe V tinha na idéia quando a fortuna o ameaçava de entregar a Espanha ao seu rival, que o ilustre Pombal premeditava quando o Trono da Monarquia parecia ir descer aos abismos abertos pelo terremotos, que Cados IV já mui tarde desejou realizar; sim se os Políticos disseram que o Navio que trouxe ao Brasil o Senhor D. João Vi alcançaria entre os antigos Gregos maiores honras do que esse, que levou Jason e os Argonautas a Colcos, o Povo do Rio de Janeiro julga que o Navio que reconduzir Sua Alteza Real aparecerá sobre o Tejo com o Pavilhão da Independência do Brasil.
 
Talvez que Sua majestade Criando o Senhor D. Pedro, Príncipe Regente do Brasil tivesse diante dos olhos estas linhas traçadas pelo célebre Mr. Du-Pradt "Si le passage du Roi n`avait eu lieu, le Portugal perdait le Brésil de deux maniéres, 1. par l`attaque qú eu auraiente fait les Angiais sous pretexte de guerre avec le Portugal soumis aux Français; 2. par I`Independance dans Ia quelle ce grand Pays separe de Ia Métropole par la guerre ne paurait manquer de tomber, comme ont fait les Colonies Espagnoles, et para la même raison, et avec le même succés. Aussi est il bien evident que si jamais le Souverain établi au Brésil repasse en Portugal il laisserá derriére lui I`Independance établie dans les comptoirs de Rio de Janeiro." - Se a passagem do Rei se não verificasse, Portugal perdia o Brasil por dois modos, primeiro por ataque que fariam os Ingleses com o pretexto de guerra com Portugal submetido aos Franceses; segundo pela independência, que infalivelmente este grande País separado da Metrópole pela guerra proclamaria, como fizeram as Américas Espanholas com a mesma razão, e com o mesmo sucesso. É logo bem evidente que se algum dia o Soberano estabelecido no Brasil voltar para Portugal, deixará após de Si a Independência firmada em todas as feitorias do Rio de Janeiro. Conhece-se qual é o estado de oscilação, e de divergência, em que estão todas as Províncias do Brasil; o único centro para onde parece que se encaminham suas vistas, e suas esperanças é a Constituição, e a primeira vantagem, que se espera deste plano regenerador é a conservação inalienável das atribuições, de que se acha de posse esta antiga Colônia transformada em Monarquia; menos para autorizar a residência do Augusto Chefe da Nação, do que pelo grande peso, que o seu Comércio de exportação lhe dava na balança mercantil da Europa, pelas suas diferentes relações com os diversos Povos desse antigo Hemisfério, e pelo progressivo desenvolvimento de suas forças físicas, e morais.
 
O Brasil conservado na sua Categoria, nunca perderá de vista as idéias de seu respeito para com a sua ilustre, e antiga Metrópole, nunca se lembrará de romper esta cadeia de amizade, e de honra, que deve ligar os dois Continentes através da mesma extenção dos mares que o separam; e a Europa verá com espanto, que se o espaço de duas mil léguas, foi julgado mui logo para conservar em vigor os laços do Reino Unido, sendo o fiador desta união um frágil lenho, batido pelas ondas, e exposto às contingências da Navegação; este mesmo espaço nunca será capaz de afrouxar os vínculos de nossa aliança, nem impedirá que o Brasil vá ao longe com mais alegria, com a mão mais cheia de riquezas, do que ia dantes, engrossar a grande artéria da Nação.
 
O Povo do Rio de Janeiro conhecendo bem, que estes são os sentimentos de seus co-irmãos Brasileiros protesta à face das Nações pelo desejo que tem de ver realizada esta união tão necessária, e tão indispensável para consolidar as bases da prosperidade Nacional: entretanto o mais Augusto penhor da infalibilidade destes sentimentos é a Pessoa do Príncipe real no Brasil, porque nele reside a grande idéia de toda aptidão para o desempenho destes planos, como o primeiro vingador do sistema Constitucional. As Províncias do Brasil aparecendo nas pessoas dos seus Deputados em roda do Trono do Príncipe Regente formaram uma liga de interesses comuns, dirigindo sempre a marcha das suas providências segundo a perspectiva das circunstâncias, sendo um dos seus objetos de empenho estreitar mais e mais os vínculos de nossa Fraternidade Nacional.
 
Se o motivo que as Cortes apresentaram para fazerem regressar Sua Alteza Real é a necessidade de instrução de economia Política, que o Mesmo Senhor deve adquirir viajando pelas Cortes da Europa assinadas no Decreto, o Povo julga que se faz mais necessário para a futura glória do Brasil, que Sua Alteza Real visite o interior deste vastíssimo Continente desconhecido na Europa Portuguesa, e por desgraça nossa examinado, conhecido, descrito, despojado pelas Nações Estranjeiras, em cujas Cartas, como ultimamente na de Mr. La Pie, nós com vergonha vamos procurar as Latitudes, e as Longitudes das Províncias centrais, a direção dos seus grandes rios, e a sua posição geográfica, os justos limites, que as separam umas das outras, e até conhecer a sua capacidade para as riquezas de agricultura pela influência das diversas superfícies, que elas oferecem.
 
Portugal considerando o Brasil como um País, que só lhe era útil pela exportação do ouro, e de outros gêneros com que ele paga o que importam os Estrangeiros, esquecendo-se que esta mesma exportação era resultado mais das forças Físicas do Brasil, do que de estímulo das Artes de indústria comprimidas pelo mortífero sistema Colonial, e abandonadas a uma cega rotina não se dignou em tempo algum entrar no exame deste Continente, nunca lançou os olhos sobre o seu termômetro político, e moral, para conhecer a altura em que estava a opinião pública, e bem mostra agora pela indiferença com que se anuncia a seu respeito: é portanto de primeira necessidade que o Príncipe Regente dê este passo tão vantajoso para maior desenvolvimento da vida moral, e física do Brasil.
 
As Cortes da Europa hoje decaídas daquele esplendor, que elas apresentavam em outras épocas ainda conservam grandes Sábios, famosos políticos, porém estas classes se consideram mudas, e paralisadas pelas diversas facções, que as combatem com uma prepotência irresistivel: Sua Alteza Real não encontrará hoje nelas mais do que intrigas diplomáticas, mistérios cabalísticos, pretensões, ideais, projetos efêmeros, partidos ameaçadores, a moral pública por toda a parte corrompida, os Liceus das Artes, e das Ciências na mais miserável prostituição, uma política cega concebendo, e abortando, em uma palavra Sua Alteza Real achará em toda a Europa vestígios desse vulcão, que rebentando ao Meio Dia levou estragos além das Ilhas, e dos Mares. Não, não foi em crises tão fatais, que viajaram o Imortal Criador do império da Rússia Pedro Primeiro, e o grande filho de Maria Tereza José Segundo, assim como outros Príncipes, que voltaram aos seus Estados enriquecidos de conhecimentos, que fizeram a prosperidade de suas Monarquias. Depois que o interesse passou a ser, como diz o Abade Condillac, a mola Real dos Gabinetes da Europa, a Política começou a esconder sua marcha, e quase sempre as idéias ostensivas são inteiramente diversas daquelas, que aparecem nos planos das negociações. É bem de esperar que o Príncipe Herdeiro de uma Monarquia olhada hoje com ciúme pelas Nações Estrangeiras não seja admitido a comunicação dos seus mistérios Eleusinos, que veja as novas Tiros, e Cartagos só pela perspectiva de sua economia pública, e que se faça todo o empenho para desviar da conhecida agudeza de seu Engenho a Carta dos interesses Ministeriais.
 
Nas províncias do Brasil Sua Alteza Real achará um Povo, que o adora, e que suspira pela sua presença: nas mais polidas encontrará homens de talentos, bem dignos de serem admitidos ao seu Conselho, em outras achará a experiência dos velhos, que o Discípulo de Xenofonte encontrou nas bocas do Nilo; conhecerá de perto as forças locais deste imenso País, em cujo seio ainda virgem, como diz o célebre Mr. de Sismondi se podem perfilhar as plantações, que nutrem o orgulho das margens do Indo, do Ganges, da antiga Taprobana, e que obrigam o altivo Adamastor a se embravecer tantas vezes contra os Europeus. Os Povos experimentaram estes estímulos de estusiasmo, e de brio, que inspira a presença criadora de um Príncipe; sobre todas as vantagens enfim; Sua alteza Real terá uma que não é pequena, conhecer por Si mesmo a herança de Sua Soberania, e não pelas informações dos Governadores, que tudo acham inculto, atrasado, com obstáculos dificultosos, ou invencíveis para se desculparem assim de sua inação, ou para depois mostrarem em grande mapa colorido o pouco que fizeram, deixando entre as sombras as concussões violentíssimas, que sofreram as vítimas de seu despotismo. Tal é a idéia que o nosso insigne Vieira oferece em suas Cartas quando analisa a conduta destes Régulos de bastão e ferro, praga tão funesta ao Brasil, ou ainda mais, do que o mesmo sistema Colonial.
 
Sendo pois esta viagem de tão grandes consequências para o progressivo melhoramento do Brasil, fica demonstrada a sua importância, e sua necessidade; os conhecimentos adquiridos por Sua Alteza Real sendo confrontados com os votos daqueles, que possuem a verdadeira estatística do Brasil servirão muito para organizarem o plano do regime que deve animar a sua vida física, e moral.
 
Há uma distância mui considerável entre o Meio Dia da Europa, e o Meio Dia da América; a Natureza humana aqui experimenta uma mudança sensível, um novo Céu, e por isso mesmo uma nova influência sobre o caráter de seus indivíduos; é impossível que Povos classificados em oposição física se possam reunir debaixo do mesmo sistema de governo; a Industria, a Agricultura, as Artes em geral exigem no Brasil uma Legislação particular, e as bases deste novo Código devem ser esboçadas sobre os locais, onde depois hão de ir ter sua execução. Se o Brasil agrilhoado em sua infância, e com mui poucas homenagens na sua mocidade avançou rapidamente através das mesmas barreiras, que tolhiam sua marcha, quanto não avançará depois de ser visitado, e perfeitamente conhecido pelo Príncipe Herdeiro da Monarquia, que na sua passagem verá a justiça que se lhe fez tirando-se-lhe as argolas Coloniais, e dando-se-lhe o Diadema? O Povo do Rio de Janeiro tendo em vista o desempenho deste projeto verdadeiramente filantrópico, e conhecendo que Sua Alteza Real anuncia o mais energético entusiasmo em realizá-lo com grande vantagem da Nação em geral, não pode portanto convir no seu regresso, e julgando que tem dito quanto basta para que V.S. faça ver a Sua Alteza Real a delicadeza com que o Mesmo Senhor se deverá haver nas circunstância já ameaçadoras no horizonte político do Brasil, espera ser atendido na sua representação, de cujas consequências (não o sendo) o mesmo Povo declara V.S. responsável-, igualmente espera que o Soberano Congresso a receba, e a considere como um manifesto da vontade de in-nãos Interessados na prosperidade geral da Nação, no renovo de sua mocidade, e de sua glória, que
sem
dúvida não chegará ao Zenith, a que espera subir se não estabelecer uma só medida para os interesses recíprocos dos dois Hemisférios, atendendo sempre às diversas posições locais de um, e outro. Sendo portanto de esperar, que todas as Províncias do Brasil se reunam neste centro de idéias, logo que se espalhe a lisonjeira notícia de que se não verificou o regresso de Sua Alteza Real, o Povo encarrega a V.S. de fazer ver ao mesmo Senhor a absoluta necessidade de ficarem por agora suspensos os dois decretos 124, e 125 das Cortes, porque não se pode presumir das públicas intenções do Soberano Congresso, que deixe de aceder a motivos tão justos, e de tão grandes relações com o bem geral da Nação.

 
Rio de Janeiro, em 29 de dezembro de 1821.

A Carta de Pero Vaz de Caminha

Senhor
 
Posto que o Capitão-mor desta vossa frota, e assim os outros capitães escrevam a Vossa Alteza a nova do achamento desta vossa terra nova, que nesta navegação agora se achou, não deixarei também de dar minha conta disso a Vossa Alteza, o melhor que eu puder, ainda que - para o bem contar e falar -, o saiba fazer pior que todos.
Tome Vossa Alteza, porém, minha ignorância por boa vontade, e creia bem por certo que, para alindar nem afear, não porei aqui mais do que aquilo que vi e me pareceu.
Da mafinhagem e singraduras do caminho não darei aqui conta a Vossa Alteza, porque o não saberei fazer, e os pilotos devem ter esse cuidado. Portanto, Senhor, do que hei de falar começo e digo.
A partida de Belém, como Vossa Alteza sabe, foi, segunda-feira, 9 de março. Sábado, 14 do dito mês, entre as oito e as nove horas, nos achamos entre as Canárias, mais perto da Grã Canária, onde andamos todo aquele dia em calma, à vista delas, obra de três a quatro léguas. E domingo, 22 do dito mês, às dez horas, pouco mais ou menos, houvemos vista das ilhas de Cabo Verde, ou melhor, da ilha de S. Nicolau, segundo o dito de Pero Escobar, piloto.
Na noite seguinte, segunda-feira, ao amanhecer, se perdeu da frota Vasco de Ataíde com sua nau,
sem
haver tempo forte nem contrário para que tal acontecesse. Fez o capitão suas diligências para o achar, a uma e outra parte, mas não apareceu mais!

E assim seguimos nosso caminho, por este mar, de longo, até que, terça-feira das Oitavas de Páscoa, que foram vinte e um dias de abril, estando da dita ilha obra de 660 ou 670 léguas, segundo os pilotos diziam, topamos alguns sinais de terra, os quais eram muita quantidade de ervas compridas, a que os mareantes chamam botelho, assim como outras a que dão o nome de rabo-de-asno. E, quarta feira seguinte, pela manhã topamos aves a que chamam furabuchos.
Quarta-feira, 22 de abril: Neste dia, a horas de vésperas, houvemos vista de terra! Primeiramente dum grande monte, mui alto e redondo; e doutras serras mais baixas ao sul dele: e de terra chá, com grandes arvoredos: ao monte alto o capitão pôs nome: O MONTE PASCOAL e à terra: a TERRA DA VERA CRUZ.
Quinta-feira, 23 de abril: Mandou lançar o prumo. Acharam vinte e cinco braças: e, ao sol posto, obra de seis léguas da terra, surgimos âncoras, em dezenove braças - ancoragem limpa. Ali permanecemos toda aquela noite. E à quinta-feira, pela manhã, fizemos vela e seguimos direitos à terra, indo os navios pequenos diante, por dezessete, dezesseis, quinze, quatorze, treze, doze, dez e nove braças, até meia légua da terra, onde todos lançamos âncoras em frente à boca de um rio. E chegaríamos a esta ancoragem às dez horas pouco mais ou menos.
Dali avistamos homens que andavam pela praia, obra de sete ou oito, segundo disseram os navios pequenos, por chegarem primeiro.
Então lançamos fora os batéis e esquifes; e vieram logo todos os capitães das naus a esta nau do capitão-mor, onde falaram entre si. E o capitão-mor mandou em terra no batei a Nicolau Coelho para ver aquele rio. E tanto que ele começou de ir para lá, acudiram pela praia homens, quando aos dois, quando aos três, de maneira que, ao chegar o batei à boca do rio, já ali havia dezoito ou vinte homens.
Eram pardos, todos nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas. Nas mãos traziam arcos com suas setas. Vinham todos rijamente sobre o bater; e Nicolau Coelho lhes fez sinal que pousassem os arcos. E eles os pousaram.
Ali não pôde deles haver fala, nem entendimento de proveito, por o mar quebrar na costa. Deu-lhes somente um barrete vermelho e uma carapuça de linha que levava na cabeça e um sombreiro preto. Um deles deu-lhe um sombreiro de penas de ave, compridas, com uma copazinha pequena de penas vermelhas e pardas como de papagaio; e outro deu-lhe um ramal grande de continhas brancas, miúdas, que querem parecer de aljaveira, as quais peças creio que o Capitão manda a Vossa Alteza, e com isto se volveu às naus por ser tarde e não poder haver deles mais fala, por causa do mar.
Na noite seguinte ventou tanto sueste com chuvaceiros que fez caçar as naus, e especialmente a capitania.
Sexta-feira, 24 de abril: E sexta pela manhã, às oito horas, pouco mais ou menos, por conselho dos pilotos, mandou o Capitão levantar âncoras e fazer vela; e tomos ao longo da costa, com os batéis e esquifes amarrados à popa na direção do norte, para ver se achávamos alguma abrigada e bom pouso, onde nos demorássemos, para tomar água e lenha. Não que nos minguasse, mas por aqui nos acertamos.
Quando fizemos vela, estariam já na praia assentados perto do rio obra de sessenta ou setenta homens que se haviam juntado ali poucos e poucos. Fomos de longo, e mandou o Capitão aos navios pequenos que seguissem mais chegados à terra e, se achassem pouso seguro para as naus, que amainassem.
E, velejando nós pela costa, acharam os ditos navios pequenos, obra de dez léguas do sítio donde tínhamos levantado ferro, um recife com um porto dentro, muito bom e muito seguro, com uma mui larga entrada. E meteram-se dentro e amainaram. As naus arribaram sobre eles; e um pouco antes do sol-posto amainaram também. obra de uma légua do recife, e ancoraram em onze braças.
E estando Afonso Lopes, nosso piloto, em um daqueles navios pequenos, por mandado do Capitão, por ser homem vivo e destro para isso, meteu-se logo no esquife a sondar o porto dentro; e tomou dois daqueles homens da terra, mancebos e de bons corpos, que estavam numa almadia. Um deles trazia um arco e seis ou sete setas: e na praia andavam muitos com seus arcos e setas; mas de nada lhes serviram. Trouxe-os logo, já de noite, ao Capitão. em cuja nau foram recebidos com muito prazer e festa.
A feição deles é serem pardos, maneira de avermelhados, de bons rostos e bons narizes. bem feitos. Andam nus, sem cobertura alguma. Não fazem o menor caso de encobrir ou de mostrar suas vergonhas; e nisso têm tanta inocência como em mostrar o rosto. Ambos traziam os beiços de baixo furados e metidos neles seus ossos brancos e verdadeiros, do comprimento duma mão travessa, da grossura dum fuso de algodão, agudos na ponta como furador. Metem-nos pela parte de dentro do beiço; e a parte que lhes fica entre o beiço e os dentes é feita como roque de xadrês, ali encaixado de tal sorte que não os molesta, nem os estorva no falar, no comer ou no beber.
Os cabelos seus são corredios. E andavam tosquiados, de tosquia alta. mais que de sobre-pente, de boa grandura e rapados até por cima das orelhas. E um deles trazia por baixo da solapa, de fonte a fonte para detrás, uma espécie de cabeleira de penas de ave amarelas, que seria do comprimento de um coto, mui basta e mui cerrada, que lhe cobria o toutiço e as orelhas. E andava pegada aos cabelos, pena e pena, com uma confeição branda como cera (mas não o era), de maneira que a cabeleira ficava mui redonda e mui basta, e mui igual, e não fazia míngua mais lavagem para a levantar.
O Capitão, quando eles vieram, estava sentado em uma cadeira, bem vestido, com um colar de ouro mui grande ao pescoço, e aos pés uma alcatifa por estrado. Sancho de Tovar, Simão de Miranda, Nicolau Coelho, Aires Correia, e nós outros que aqui na nau com ele vamos, sentados no chão, pela alcatifa. Acenderam-se tochas. Entraram. Mas não fizeram sinal de cortesia, nem de falar ao Capitão nem a ninguém. Porém um deles pôs olho no colar do Capitão, e começou de acenar com a mão para a terra e depois para o colar, como que nos dizendo que ali havia ouro. Também olhou para um castiçal de prata e assim mesmo acenava para a terra e novamente para o castiçal, como se lá também houvesse prata.
Mostram-lhes um papagaio pardo que o Capitão traz consigo; tomaram-no logo na mão e acenaram para a terra, como quem diz que os havia ali. Mostraram-lhe um carneiro: não fizeram caso. Mostraram-lhe uma galinha; quase tiveram medo dela: não lhe queiram pôr a mão; e depois a tomaram como que espantados.
Deram-lhe ali de comer: pão e peixe cozido, confeites, fartéis, mel e figos passados. Não quiseram comer quase nada daquilo; e se alguma coisa provaram, logo a lançavam fora. Trouxeram-lhes vinho numa taça; mal puseram a boca; não gostaram nada, nem quiseram mais. Trouxeram-lhes água em uma albarrada. Não beberam. Mal a tomaram na boca, que lavaram, e logo a lançaram fora.
Viu um deles umas contas de rosário, brancas; acenou que lhas dessem, folgou muito com elas, e lançou-as ao pescoço. Depois tirou-as e enrolou-as no braço e acenava para a terra e de novo para as contas e para o colar do Capitão, como dizendo que dariam ouro por aquilo.
Isto tomávamos nós assim por assim o desejarmos. Mas se ele queria dizer que levaria as contas e mais o colar, isto não o queríamos nós entender, porque não lho havíamos de dar. E depois tornou as contas a quem lhas dera.
Então estiraram-se de costas na alcatifa, a dormir, sem buscarem maneira de encobrir suas vergonhas, as quais não eram fanadas; e as cabeleiras delas estavam bem rapadas e feitas. O Capitão lhes mandou pôr por baixo das cabeças seus zoxins; e o da cabeleira esforçava-se por a não quebrar. E lançaram-lhes um manto por cima; e eles consentiram, quedaramse e dormiram.
Sábado, 25 de abril: Ao sábado pela manhã mandou o Capitão fazer vela, e fomos demandar a entrada, a qual era mui larga e alta de seis a sete braças. Entraram todas as naus dentro; e ancoraram em cinco ou seis braças - ancoragem Jentro tão grande, tão formosa e tão segura que podem abrigar-se nela mais de duzentos navios e naus. E tanto que as naus quedaram ancoradas, todos os capitães vieram a esta nau do Capitão-mor. E daqui mandou o Capitão a Nicolau Coelho e Bartolomeu Dias que fossem em terra e levassem aqueles dois homens e os deixassem ir com seu arco e setas, e isto depois que fez dar a cada um sua camisa nova, sua carapuça vermelha e um rosário de contas brancas de osso, que eles levaram os braços, seus cascavéis e suas campainhas. E mandou com eles, para lá ficar, um mancebo degredado, criado de D. -oão Telo, a que chamam Afonso Ribeiro, para lá andar com eles e saber de seu vivere maneiras. E a mim mandou que fosse com Nicolau Coelho.
Fomos assim de frecha direitos à praia. Ali acudiram logo obra de duzentos homens, todos nus, e com arcos e setas nas mãos. Aqueles que nós levávamos acenaram-lhes que se afastassem e poisassem os arcos; e eles os poi`saram, mas não se afastaram muito. E mal poisaram os arcos, logo saíram os que nós levávamos, e o mancebo degredado com eles. E saídos não pararam mais: nem esperavam um pelo outro, mas antes corriam a quem mais corria. E passaram um rio que por ali corre, de água doce, de muita água que lhes dava pela braga; e outros muitos com eles. E foram assim correndo, além do rio, entre umas moitas de palmas onde estavam outros. Ali pararam. Entretanto, foi-se o degredado com im homem que, logo ao sair do batel, o agasalhou e levou até lá. Mas logo tornaram a nós; e com ele vieram os outros que nós leváramos, os quais vinham já nus e sem carapuças.
Então se começaram de chegar muitos. Entravam pela beira do mar para os batéis, até que mais não podiam; traziam cabaças de água, e tornavam alguns barris que nós levávamos; enchiam-nos de água e traziam-nos aos batéis. Não que eles de todos chegassem à borda do batel. Mas junto a ele, lançavam os barris que nós tomávamos; e pediam que lhes dessem alguma coisa. Levava Nicolau Coelho cascavéis e manilhas. E a uns dava um cascavel, a outros uma manilha, de maneira que com aquele engodo quase nos queriam dar a mão. Davam-nos daqueles arcos e setas por sombreiros e carapuças de linho ou por qualquer coisa que homem lhes queria dar.
Dali se partiram os outros dois mancebos, que os não vimos mais.
Muitos deles ou quase a maior parte dos que andavam ali traziam aqueles bicos de osso nos beiços. E alguns, que andavam sem eles, tinham os beiços furados e nos buracos uns espelhos de pau, que pareciam espelhos de borracha; outros traziam três daqueles bicos a saber, um no meio e os dois nos cabos. Ali andavam outros, quartejados de cores, a saber, metade deles da sua própria cor, e metade de tintura preta, a modos de azulada; e outros quartejados de escaques. Ali andavam entre eles três ou quatro moças, bem moças e bem gentis, com cabelos muito pretos e compridos pelas espáduas, e suas vergonhas tão altas, tão cerradinhas e tão limpas das cabeleiras que, de as muito bem olharmos, não tínhamos nenhuma vergonha.
Ali por então não houve mais fala nem entendimento com eles, por a berberia deles ser tamanha que se não entendia nem ouvia ninguém.
Acenamos-lhe que se fossem; assim o fizeram e passaram-se além do rio. Saíram três ou quatro homens nossos dos batéis, e encheram não sei quantos barris de água que nós levávamos e tornamo-nos às naus. Mas quando assim vínhamos, acenaram-nos que tornássemos. Tornamos e eles mandaram o degredado e não quiseram que ficasse lá com eles. Este levava uma bacia pequena e duas ou três carapuças vermelhas para lá as dar ao senhor, se o lá o houvesse. Não cuidaram de lhe tirar coisa alguma, antes o mandaram com tudo. Mas então Bartolomeu Dias o fez outra vez tornar, ordenando que lhes desse aquilo. E ele tornou e o deu, à vista de nós, àquele que da primeira vez o agasalhara. Logo voltou e nós trouxemo-lo.
Esse que o agasalhou era já de idade, e andava por louçainha todo cheio de penas, pegadas pelo corpo, que parecia asseteado como S. Sebastião. Outros traziam carapuças de penas amarelas; outros, de vermelhas; e outros de verdes. E uma daquelas moças era toda tingida, de baixo a cima daquela tintura; e certo era tão bem feita e tão redonda, e sua vergonha (que ela não tinha) tão graciosa, que a muitas mulheres da nossa terra, vendo-lhe tais feições, fizera vergonha, por não terem a sua como ela. Nenhum deles era fanado, mas, todos assim como nós. E com isto nos tornamos e eles foram-se.
À tarde saiu o Capitão-mor em seu batel com todos nós outros e com os outros capitães das naus em batéis a folgar pela baía, em frente da praia. Mas ninguém saiu em terra, porque o Capitão o não quis, sem embargo de ninguém nela estar. Somente saiu - ele com todos nós - em um ilhéu grande, que na baía está e que na baixa-mar fica mui vazio. Porém é por toda a parte cercado de água, de sorte que ninguém lá pode ir a não ser de barco ou a nado. Ali folgou ele e todos nós outros, bem uma hora e meia. E alguns marinheiros, que ali andavam com um chinchorro, pescaram peixe miúdo, não muito. Então volvemo-nos às naus, já bem de noite.
Domingo, 26 de abril: Ao domingo de Pascoela pela manhã, determinou o Capitão de ir ouvir missa e pregação naquele ilhéu. Mandou a todos os capitães que se aprestassem nos batéis e fossem com ele. E assim foi feito. Mandou naquele ilhéu armar um esperavel, e dentro dele um altar mui bem corregido. E ali com todos nós outros fez dizer missa, a qual foi dita pelo padre frei Henrique, em voz entoada, e oficiada com aquela voz pelos outros padres e sacerdotes, que todos eram ali. A qual missa, segundo meu parecer, foi ouvida por todos com muito prazer e devoção.
Ali era com o Capitão a bandeira de Cristo, com que saiu de Belém, a qual esteve sempre levantada, da parte do Evangelho.
Acabada a missa, desvestiu-se o padre e subiu a uma cadeira alta; e nós todos lançados por essa areia. E pregou uma solene e proveitosa pregação da história do Evangelho, ao fim da qual tratou da nossa vinda e do achamento desta terra, conformando-se com o sinal da Cruz, sob cuja obediência viemos. o que foi muito a propósito e fez muita devoção.
Enquanto estivemos à missa e à pregação, seria na praia outra tanta gente, pouco mais ou menos como a de ontem, com seus arcos e setas, a qual andava folgando. E olhando-nos, sentaram-se. E, depois de acabada a missa, assentados nós à pregação, levantaram-se muitos deles, tangeram corno ou buzina e começaram a saltar e a dançar um pedaço. A alguns deles se metiam em almadias - duas ou três que aí tinham - as quais não são feitas como as que eu já vi; somente são três traves, atadas entre si. E ali se metiam quatro ou cinco, ou esses que queriam, não se afastando quase nada da terra, senão enquanto podiam tomar pé.
Acabada a pregação, voltou o Capitão, com todos nós, para os batéis, com nossa bandeira alta. Embarcamos e tomos todos em direção à terra para passarmos ao longo por onde eles estavam indo, na dianteira, por ordem do Capitão Bartolomeu Dias em seu esquife, com um pau de uma almadia que lhe a mar levara, para lho dar; e nós todos, obra de tiro de pedra, atrás dele.
Como viram o esquife de Bartolomeu Dias, chegaram-se logo todos à água, metendo-se nela até onde mais podiam. Acenaram-lhes que pousassem os arcos; e muitos deles os iam logo pôr em terra; e outros não.
Andava aí um que falava muito aos outros que se afastassem, mas não que a mim me parecesse que lhe tinham acatamento ou medo. Este que os assim andava afastando trazia seu arco e setas, e andava tinto de tintura vermelha pelos peitos, espáduas, quadris, coxas e pernas até embaixo, mas o vazios com a barriga e o estômago eram de sua própria cor. E a tintura era assim vermelha que a água a não comia nem desfazia, antes, quando saía da água. parecia mais vermelha.
Saiu um homem do esquife de Bartolomeu Dias e andava entre eles sem implicarem nada com ele para fazer-lhe mal. Antes lhe davam cabaças de água, e acenavam aos do esquife que saíssem em terra.
Com isto se volveu Bartolomeu Dias ao Capitão; e viemo-nos às naus, a comer, tangendo gaitas e trombetas, sem lhes dar mais opressão. E eles tornaram-se a assentar na praia e assim por então ficaram.
Neste ilhéu, onde fomos ouvir missa e pregação ` a água espraia muito, deixando murta areia e muito cascalho a descoberto. Enquanto aí estávamos, foram alguns buscar marisco e apenas acharam alguns camarões grossos e curtos, entre os quais vinha um tão grande e tão grosso, como em nenhum tempo vi tamanho. Também acharam cascas de berbigões e amêijoas, mas não toparam com nenhuma peça inteira.
E tanto que comemos, vieram logo todos os capitães a esta nau, por ordem do Capitão-mor com os quais ele se apartou, e eu na companhia. E perguntou a todos se nos parecia bem mandar a nova do achamento desta terra a Vossa Alteza pelo navio dos mantimentos, para melhor a mandar descobrir e saber dela mais do que nos nós podíamos saber, por irmos de nossa viagem.
E entre muitas falas que no caso se fizeram, foi por todos ou a maior parte dito que seria muito bem. E nisto concluíram. E tanto que a conclusão foi tomada, perguntou mais se lhes parecia bem tomar aqui por força um par destes homens para os mandar a Vossa Alteza, deixando aqui por eles outros dois destes degredados
Sobre isto acordaram que não era necessário tomar por força homens, porque era geral costume dos que assim levavam por força para alguma parte dizerem que há ali de tudo quanto lhes perguntam: e que melhor e muito melhor informação da terra dariam dois homens destes degredados que aqui deixasse, do que eles dariam se os levassem, por ser gente que ninguém entende. Nem eles tão cedo aprenderam a falar para o saberem tão bem dizer que muito melhor estoutros o não digam, quando Vossa Alteza cá mandar. E que portanto não cuidassem de aqui tomar ninguém por força nem de fazer escândalo, para todo mais os amansar e a pacificar, senão somente deixar aqui os dois degredados quando daqui partíssemos.
E assim, por melhor a todos parecer, ficou determinado.
Acabado isto, disse o Capitão que fôssemos no batéis em terra e ver-se-iam bem como era o rio, e também para folgarmos.
Fomos todos nos batéis em terra, armados e a bandeira conosco. Eles andavam ali na prata. à boca do rio, para onde nós íamos; e, antes que chegássemos, pelo ensino que dantes tinha, puseram todos os arcos. e acenavam que saíssemos. Mas, tanto que os batéis puseram as proas em terra, passaram-se logo todos além do rio, o qual não é mais largo que um jogo de mancal. E mal desembarcamos, alguns dos nossos passaram logo o rio, e meteram-se entre eles. Alguns aguardavam; outros afastavam-se. Era, porém, a coisa de maneira que todos andavam misturados. Eles ofereciam desses arcos com suas setas por sombreiros e carapuças de linho ou por qualquer coisa que lhes davam.
Passaram além tantos dos nossos, e andavam assim misturados com eles, que eles se esquivavam e afastavam-se. E deles alguns iam-se para cima onde outros estavam.
Então o Capitão fez que dois homens o tomassem ao colo, passou o rio, e fez tornar a todos.
A gente que ali estava não seria mais que a costumada. E tanto que o Capitão fez tornar a todos, vieram a ele alguns daqueles, não porque o conhecessem por Senhor, pois me parece que não entendem, nem tomavam disso conhecimento, mas porque a gente nossa passava já para aquém do rio.
Ali falavam e traziam muitos arcos e continhas daquelas já ditas, e resgatavam-nas por qualquer coisa, em tal maneira que os nossos trouxeram dali para as naus muitos arcos e setas e contas.
Então tornou-se o Capitão aquém do rio, e logo acudiram muitos à beira dele.
Ali veríeis galantes, pintados de preto e de vermelho, e quartejados, assim nos corpos, como nas pernas, que, certo, pareciam bem assim.
Também andavam, entre eles, quatro ou cinco mulheres moças, nuas como eles, que não pareciam mal. Entre elas andava uma com uma côxa, do joelho até o quadril, e a nádega, toda tinha daquela tintura preta; e o resto, tudo da sua própria cor. Outra trazia ambos os joelhos, com as curvas assim tintas, e também os colos dos pés; e suas vergonhas tão nuas e com tanta inocência descobertas, que nisso não havia vergonha alguma.
Também andava aí outra mulher moça, com um menino ou menina ao colo, atado com um pano (não sei de quê) aos
peitos, de modo que apenas as perninhas lhe apareciam. Mas as pernas da mãe e o resto não traziam pano algum.
Depois andou o Capitão para cima ao longo do rio, que corre sempre chegado à praia. Ali esperou um velho, que trazia na mão uma pá de almadia. Falava, enquanto o Capitão esteve com ele, perante nós todos, sem nunca ninguém o entender, nem ele a nós quantas lhe demandávamos acerca douro, que nós desejávamos saber se na terra havia.
Trazia este velho o beiço tão furado, que lhe caberia pelo furo um grande dedo polegar, metida nele uma pedra verde, ruim, que cerrava por fora este buraco. O Capitão lha fez tirar. E ele não sei que diabo falava e ia com ela direito ao Capitão, para lha meter na boca. Estivemos sobre isso rindo um pouco; e então enfadou-se o Capitão e deixou-o. E um dos nossos deu-lhe pela pedra um sombreiro velho, não por ela valer alguma coisa, mas por amostra. Depois houve-a o Capitão, segundo creio, para. com as outras coisas, a mandar a Vossa Alteza.
Andamos por aí vendo a ribeira, a qual é de muita água e muito boa. Ao longo dela há muitas palmas, não mui altas, em que há muito bons palmitos. Colhemos e comemos deles muitos.
Então tornou-se o Capitão para baixo para a boca do rio, onde havíamos desembarcado.
Além do rio, andavam muitos deles dançando e folgando, uns diante dos outros, sem se tomarem pelas mãos. E faziam-no bem. Passou-se então além do rio Diogo Dias, almoxarife que foi de Sacavém, que é homem gracioso e de prazer; e levou consigo um gaiteiro nosso com sua gaita. E meteu-se com eles a dançar, tomando-os pelas mãos; e eles folgavam e riam, e andavam com ele muito bem ao som da gaita. Depois de dançarem, fez-lhe ali, andando no chão, muitas voltas ligeiras e salto real, de que eles se espantavam e riam e folgavam muito. E conquanto com aquilo muito os segurou e afagou, tomavam logo uma esquiveza como de animais monteses, e foram-se para cima.
E então o Capitão passou o rio com todos nós outros, e fomos pela praia de longo, indo os batéis, assim, rente da terra. Fomos até uma lagoa grande de água doce, que está junto com a praia, porque toda aquela ribeira do mar é apaulada por cima e sai a água por muitos lugares.
E depois de passarmos o rio, foram uns sete ou oito deles andar entre os marinheiros que se recolhiam aos batéis. E levaram dali um tubarão, que Bartolomeu Dias matou, lhes levou e lançou na praia.
Bastará dizer-vos que até aqui, como quer que eles um pouco se amansassem, logo duma mão que para a outra se esquivavam, como pardais, do cevadouro. Homem não lhes ousa falar de rijo para não se esquivarem mais; e tudo se passa como eles querem, para os bem amansar.
O Capitão ao velho, com quem falou, deu um carapuça vermelha. E com toda a fala que entre ambos se passou e com a carapuça que lhe deu, tanto que se apartou e começou de passar o rio, foi-se logo recatando e não quis mais tornar de lá para aquém.
Os outros dois, que o Capitão teve nas naus, a que se deu o que já disse, nunca mais aqui apareceram - do que tiro ser gente bestial, de pouco saber e por isso tão esquiva. Porém e com tudo isto andam muito bem curados e muito limpos. E naquilo me parece ainda mais que são como aves ou alimárias monteses, às quais faz o ar melhor pena e melhor cabelo que às mansas, porque os corpos seus são tão limpos, tão gordos e formosos, que não pode mais ser.
Isto me fez presumir que não têm casas moradas a que se acolham, e o ar, a que se criam, os faz tais. Nem nós ainda até agora vimos casa alguma ou maneira delas.
Mandou o Capitão àquele degredado Afonso Ribeiro, que se fosse outra vez com eles. Ele foi e andou lá um bom pedaço, mais à tarde tornou-se, que o fizeram eles vir e não o quiseram lá consentir. E deram-lhe arcos e setas; e não lhe tomaram nenhuma cousa do seu. Antes - disse ele - que um lhe tomara umas continhas amarelas, que levava, e fugia com elas, e ele se queixou e os outros foram logo após, e lhas tomaram e tornaram-lhas a dar; e então mandaram-no vir. Disse que não vira lá entre eles senão umas choupaninhas de rama verde e de fetos muito grandes, como de Entre Doiro e Minho.
E assim nos tomamos às naus, já quase noite, a dormir.
Segunda-feira, 27 de abril: A segunda-feira, depois de comer, saímos todos em terra a tomar água. Ali vieram então muitos, mas não tantos com as outras vezes. Já muito poucos traziam arcos. Estiveram assim um pouco afastados de nós; e depois pouco a pouco misturaram-se conosco. Abraçavam-nos e folgavam. E alguns deles se esquivavam logo. Ali davam alguns arcos por folhas de papel e por alguma carapucinha velha ou por qualquer coisa. Em tal maneira isto se passou que jinte ou trinta pessoas das nossas se foram com eles, onde outros muitos estavam moças e mulheres. E trouxeram de lá muitos arcos e barretes de penas de aves, deles verdes e deles amarelos, dos quais, segundo creio, o Capitão há de mandar amostra a Vossa Alteza.
E, segundo diziam esses que lá foram, folgavam com eles. Neste dia os vimos mais de perto e mais à nossa vontade, por andarmos quase misturados. Ali, alguns andavam daquelas tinturas quartejados; outros de metades; outros de tanta feição, como em panos de armar, e todos com os beiços furados, e muitos com os ossos neles, e outros sem ossos.
Alguns traziam uns ouriços verdes, de árvores, que, na cor, queriam parecer de castanheiras, embora mais pequenos. E eram cheios duns grãos vermelhos pequenos, que, esmagados entre os dedos, faziam tintura muito vermelha, je que eles andavam tintos. E quanto mais se molhavam, tanto mais vermelhos ficavam.
Todos andam rapados até cima das orelhas; e assim as sobrancelhas e pestanas.
Trazem todos as testas, de fonte a fonte, tintas da tintura preta, que parece uma fita preta, da largura de dois dedos.
E o Capitão mandou àquele degredado Afonso Ribeiro e a outros dois degredados, que fossem lá andar entre eles; assim a Diogo Dias, por ser homem ledo, com que eles folgavam. Aos degredados mandou que ficassem lá esta noute.
Foram-se lá todos, e andaram entre eles. E, segundo eles diziam, foram bem uma légua e meia a uma povoação, em que haveria nove ou dez casas, as quais eram tão compridas, cada uma, como esta nau capitaina. Eram de madeira, e das ilhargas de tábuas, e cobertas de palha, de razoada altura; todas duma só peça, sem nenhum repartimento, tinham dentro muitos esteios; e, de esteio a esteio, uma rede atada pelos cabos, alta, em que dormiam. Debaixo, para se aquentarem, faziam seus fogos. E tinha cada casa duas portas pequenas, uma num cabo, e outra no outro.
Diziam que em cada casa se recolhiam trinta ou quarenta pessoas, e que assim os achavam; e que lhes davam de comer daquela vianda, que eles tinham, a saber, muito inhame e outras sementes, que na terra há e eles comem. Mas quando se fez tarde, fizeram-no logo tornar a todos e não quiseram que lá ficasse nenhum. Ainda, segundo diziam, queriam vir com eles.
Resgataram lá por cascavéis e por outras coisinhas de pouco valor, que levavam, papagaios vermelhos, muito grandes e formosos, e dois verdes pequeninos e carapuças de penas verdes, e um pano de penas de muitas cores, maneira de tecido assaz formoso, segundo Vossa Alteza todas estas cousa a, porque o Capitão vô-ias há de mandar, segundo ele disse.
E com isto vieram; e nós tornamo-nos às naus.
Terça-feira, 28 de abril: A terça-feira, depois de comer, fomos em terra dar guarda de lenha e lavar roupa.
Estavam na praia, quando chegamos, obra de sessenta ou setenta em arcos e sem nada. Tanto que chegamos, vieram logo para nós, sem se esquivarem. Depois acudiram muitos, que seriam bem duzentos, todos sem arcos; e misturaram-se todos tanto conosco que alguns nos ajudavam a acarretar lenha e a meter nos batéis. E lutavam com os nossos e tomavam muito prazer.
Enquanto cortávamos a lenha, faziam dois carpinteiros uma grande Cruz, dum pau, que ontem para isso se cortou.
Muitos deles vinham ali estar com os carpinteiros. E creio que o faziam mais por verem a ferramenta de ferro com que a faziam, do que por verem a Cruz, porque eles não têm coisa que de ferro seja, e cortam sua madeira e paus com pedras feitas como cunhas, metidas em um pau entre duas talas, mui bem atadas e por tal maneira que andam fortes, segundo diziam os homens, que ontem a suas casas foram, porque lhas viram lá.
Era já o conversação deles conosco tanta que quase nos estorvavam no que havíamos de fazer.
O capitão mandou a dois degradados e a Diogo Dias que fossem lá à aldeia (e a outras, se houvesse novas delas) e que, em toda a maneira, não viessem dormir às naus, ainda que eles os mandassem. E assim se foram.
Enquanto andávamos nessa mata a cortar lenha, atravessavam alguns papagaios por essas árvores, deles verdes e outros pardos, grandes e pequenos, de maneira que me parece haverá muitos nesta terra. Porém eu não veria mais que até nove ou dez. Outras aves então não vimos, somente algumas pombas seixas, e pareceram-me bastante maiores que as de Portugal. Alguns diziam que viram rolas; eu não as vi. Mas, segundo os arvoredos são mui muitos e grandes, e de infindas maneiras, não duvido que por esse sertão haja muitas aves!
Cerca da noite nos volvemos para as naus com nossa lenha.
Eu, creio. Senhor, que ainda não dei conta aqui a Vossa Alteza da feição de seus arcos e setas. Os arcos são pretos e compridos, as setas também compridas e os ferros delas de canas aparadas, segundo Vossa Alteza verá por alguns que eu creio - o Capitão a Ela há de enviar.
Quarta-feira, 29 de abril: A quarta-feira não fomos em terra, porque o Capitão andou todo o dia no navio dos mantimentos a despejá-lo e fazer às naus isso que cada um podia levar. Eles acudiram à praia; muitos, segundo das naus vimos. No dizer de Sancho de Tovar, que lá foi, seriam obra de trezentos.
Diogo Dias e Afonso Ribeiro, o degredado, aos quais o Capitão ontem mandou que em toda maneira lá dormissem, volveram-se já de noite, por eles não quererem que lá ficassem. Trouxeram papagaios verdes e outras aves pretas, quase como pêgas, a não ser que tinham o bico branco e os rabos curtos.
Quando Sancho de Tovar se recolheu à nau, queriam vir com ele alguns, mas ele não quis senão dois mancebos dispostos e homens de prol. Mandou-os essa noite mui bem pensar e tratar. Comeram toda a vianda que lhes deram; e mandou fazer-lhes cama de lençóis, segundo ele disse. Dormiram e folgaram aquela noite.
E assim não houve mais este dia que para escrever seja.
Quinta-feira, 30 de abril: A quinta-feira, derradeiro de abril, comemos logo, quase pela manhã, e fomos em terra por mais lenha e água. E, em querendo os Capitão sair desta nau, chegou Sancho de Tovar com seus dois hóspedes. E por ele ainda não ter comido, puseram-lhe toalhas. Trouxeram-lhe vianda e comeu. Aos hóspedes, sentaram cada um em sua cadeira. E de tudo o que lhes deram comeram mui bem, especialmente lacão cozido, frio, e arroz.
Não lhes deram vinho, por Sancho de Tovar dizer que o não bebiam bem.
Acabado o comer, metemo-nos no batei e eles conosco. Deu um grumete a um deles uma armadura grande de porco montês, bem revolta. Tanto que a tomou, meteu-a logo no beiço, e, porque se lhe não queria segurar, deram-lhe uma pouca de cêra vermelha. E ele ajeitou-lhe seu adereço detrás para ficar segura, e meteu-a no beiço, assim revolta para cima. E vinha tão contente com ela, como se tivera uma grande jóia. E tanto que saímos em terra, foi-se logo com ela, e não apareceu mais aí.
Andariam na praia, quando saímos, oito ou dez deles; e de aí a pouco começaram a vir mais. E parece-me que viriam, este dia, à praia quatrocentos ou quatrocentos e cinqüenta.
Traziam alguns deles arcos e setas, que todos trocaram por carapuças ou por qualquer coisa que lhes davam. Comiam conosco do que lhes dávamos. Bebiam alguns deles vinho; outros o não podiam beber. Mas parece-me, que se lho avezarem, o beberão de boa vontade.
Andavam todos tão dispostos, tão bem feitos e garantes com suas tinturas, que pareciam bem. Acarretavam dessa lenha, quanta podiam, com mui boa vontade, e levavam-na aos batéis.
Andavam já mais mansos e seguros entre nós, do que nós andávamos entre eles.
Foi o Capitão com alguns de nós um pedaço por este arvoredo até uma ribeira grande e de muita água, que a nosso parecer era esta mesma, que vem ter à praia, e em que nós tomamos água.
Ali ficamos um pedaço, bebendo e folgando, ao longo dela entre esse arvoredo, que é tanto, tamanho, tão basto e de tantas prumagens, que homem as não pode contar. Há entre ele muitas palmas, de que colhemos muitos e bons palmitos.
Quando saímos do batel, disse o Capitão que seria bom irmos direitos à Cruz, que estava encostada a uma árvore, unto com o rio, para se erguer amanhã, que é sexta-feira, e que nós puséssemos todos em joelhos e a beijássemos para eles verem o acatamento que lhe tínhamos. E assim fizemos. A esses dez ou doze que aí estavam acenaram-lhe que fizessem assim, e foram logo todos beijá-la.
Parece-me gente de tal inocência que, se homem os entendesse e eles a nós, seriam logo cristãos, porque eles, segundo parece, não têm, nem entendem em nenhuma crença.
E portanto, se os degredados, que aqui hão de ficar aprenderem bem a sua fala e os entenderem, não duvido que eles segundo a santa intenção de Vossa Alteza, se hão de fazer cristãos e crer em nossa santa fé, à qual praza a Nosso Senhor que os traga, porque certo, esta gente é boa e de boa simplicidade. E, imprimir-se-á ligeiramente neles qualquer cunho, que lhes quiserem dar. E pois Nosso Senhor, que lhes deu bons corpos e bons rostos, como a bons homens, por aqui nós trouxe, creio que não foi sem causa.
Portanto Vossa Alteza, que tanto deseja acrescentar a santa fé católica, deve cuidar da sua salvação. E prezerá a Deus que com pouco trabalho seja assim.
Eles não lavram, nem criam. Não há aqui boi, nem vaca, nem cabra, nem ovelha, nem galinha, nem qualquer outra alimária, que acostumada seja ao viver dos homens. Nem comem senão desse inhame, que aqui há muito, e dessa semente e fruitos, que a terra e as árvores de si lançam. E com isto andam tais e tão rijos e tão nédios que o não somos nós tanto, com quanto trigo e legumes comemos.
Neste dia, enquanto ali andaram, dançaram e bailaram sempre com os nossos, ao som dum tamboril dos nossos, maneira que são muito mais nossos amigos que nós seus.
Se lhes homem acenava se queriam vir às naus, faziam-se logo prestes para isso, em tal maneira que se a gente todos quisera convidar, todos vieram. Porém não trouxemos esta noute às naus, senão quatro ou cinco, a saber; o Capitão-mor, dois: Simão de Miranda, um, que trazia já por pajem; e Aires Gomes, outro, também por pajem.
Um dos que o Capitão trouxe era um dos hóspedes, que lhe trouxeram da primeira vez, quando aqui chegamos, o qual veio hoje aqui, vestido na sua camisa e com ele um seu irmão; e foram esta noute mui bem agasalhados, assim de vianda, como de cama, de colchões e lençóis, para os mais amansar.
Sexta-feira, 1 de maio: E hoje, que é sexta-feira, primeiro dia de maio, pela manhã, saímos em terra, em nossa bandeira; e fomos desembarcar acima do rio contra o sul, onde nos pareceu que seria melhor chantar a Cruz, para melhor ser vista. Ali assinalou o Capitão o lugar, onde fizessem a cova para a chantar.
Enquanto a ficaram fazendo, ele com todos nós outros fomos pela Cruz abaixo do rio, onde ela estava. Dali a trouxemos com esses religiosos e sacerdotes diante cantando, em maneira de procissão. Eram já aí alguns deles, obra de setenta ou oitenta; e, quando nos viram assim vir alguns se foram meter debaixo dela, para nos ajudar. Passamos o rio, ao longo da praia e fomo-la pôr onde havia de ficar, que será do rio obra de dois tiros de besta. Andando ali nisso, vieram bem cento e cinqüenta ou mais.
Chantada a Cruz, com as armas e a divisa de Vossa Alteza, que primeiramente lhe pregaram, armaram altar ao pé dela. Ali disse missa o Padre Frei Henrique, a qual foi cantada e oficiada por esses já ditos. Ali estiveram conosco a ela obra de cinqüenta ou sessenta deles, assentados todos de joelhos, assim como nós.
E quando veio ao Evangelho, que nos erguemos todos em pé, com as mãos levantadas, eles se levantaram conosco e alçaram as mãos, ficando assim, até ser acabado; e então tornaram-se a assentar como nós. E quando levantaram a Deus, que nós pusemos de joelhos, eles se puseram assim todos, como nós estávamos com as mãos levantados, e em tal maneira sossegados, que, certifico a Vossa Alteza, nos fez muita devoção.
Estiveram assim conosco até acabada a comunhão, depois da qual comungaram esses religiosos e sacerdotes e o Capitão com alguns de nós outros.
Algum deles, por o sol ser grande, quando estávamos comungando, levantaram-se, e outros estiveram e ficaram. Um deles, homem de cinqüenta ou cinqüenta e cinco anos, continuou ali com aqueles que ficaram. Esse, estando nós assim, ajuntava estes, que ali ficaram, e ainda chamava outros. E andando assim entre eles falando, lhes acenou com o dedo para o altar e depois apontou o dedo para o Céu, como se lhes dissesse alguma coisa de bem; e nós assim o tomamos.
Acabada a missa, tirou o padre a vestimenta de cima e ficou em alva; e assim se subiu, junto com o altar, em uma cadeira. Ali nós pregou do Evangelho e dos Apóstolos, cujo é o dia, tratando, ao fim da pregação, deste vosso prosseguimento tão santo e virtuoso, o que nos aumentos a devoção.
Esses, que estiveram sempre à pregação, quedaram-se como nós olhando para ele. E aquele, que digo, chamava alguns que viessem para ali. Alguns vinham e outros iam-se. E, acabada a pregação, como Nicolau Coelho trouxesse muitas cruzes de estanho com crucifixos, que lhe ficaram ainda da outra vinda, houveram por bem que se lançasse uma ao pescoço de cada um. Pelo que o Padre Frei Henrique se assentou ao pé da Cruz e ali, a um por um, lançava a sua atada em um fio ao pescoço, fazendo-lha primeiro beijar e a levantar as mãos. Vinham a isso muitos; e lançaram-nas todas, que seriam obra de quarenta ou cinqüenta.
Isto acabado - era já bem uma hora depois do meio-dia - viemos a comer às naus, trazendo o Capitão consigo aquele mesmo que fez aos outros aquela mostrança para o altar e para o Céu e um seu irmão com ele. Fez-lhe muita honra e deulhe uma camisa mourisca e ao outro uma camisa destoutras.
E, segundo o que a mim e a todos pareceu, esta gente não lhes falece outra coisa para ser toda cristã, senão entender-nos, porque assim tomavam aquilo que nos viam fazer, como nós mesmos, por onde nos pareceu a todos que nenhuma idolatria, nem adoração têm. E bem creio que, se Vossa Alteza aqui mandar quem entre mais devagar ande, que todos serão tornados ao desejo de Vossa Alteza. E por isso, se alguém vier, não deixe logo de vir clérigo para os baptizar, porque já então terão mais conhecimento de nossa fé, pelos dois degredados, que aqui entre eles ficam, os quais hoje também comungaram ambos.
Entre todos estes que hoje vieram, não veio mais que uma mulher moça, a qual esteve sempre à missa e a quem deram um pano com que se cobrisse. Puseram-lho a redor de si. Porém, ao assentar, não fazia grande memória de o estender bem, para se cobrir. Assim, Senhor, a inocência desta gente é tal que a de Adão não seria maior, quanto a vergonha.
Ora veja Vossa Alteza se quem em tal inocência vive se converterá ou não, ensinando-lhes o que pertence à sua salvação.
Acabado isto, fomos assim perante eles beijar a Cruz, despedimo-nos e viemos comer.
Creio, Senhor, que com estes dois degredados ficam mais dois grumetes, que esta noite se saíram desta nau no esquife, fugidos para terra. Não vieram mais. E cremos que ficarão aqui, porque de manhã, prazendo a Deus, fazemos daqui nossa partida.
Esta terra, Senhor, me parece que da ponta que mais contra o sul vimos até outra ponta que contra o norte vem, de que nós deste porto houvemos vista, será tamanha que haverá nela bem vinte ou vinte e cinco léguas por costa. Tem, o longo do mar, nalgumas partes, grandes barreiras, delas vermelhas, delas brancas; e a terra por cima toda chã e muito cheia de grandes arvoredos. De ponta a ponta, é tudo praia-palma, muito chã e muito formosa.
Pelo sertão nos pareceu, vista do mar, muito grande, porque, a estender olhos, não podíamos ver senão arvoredos. que nos parecia muito longa.
Nela, até agora, não pudemos saber que haja ouro, nem prata, nem coisa alguma de metal ou ferro; nem 1ho vimos. Porém a terra em si é de muito bons ares, assim frios e temperados, como os de Entre Doiro e Minho, porque neste tempo de agora os achávamos como os de lá.
Águas são muitas; infindas. E em tal maneira é graciosa que, querendo aproveitar, dar-se-á nela tudo, por bem das águas que tem.
Porém o melhor fruto, que dela se pode tirar me parece que será salvar esta gente. E esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza em ela deve lançar.
E que aí não houvesse mais que ter aqui esta pousada para esta navegação de Calecute, isso bastaria. Quanto mais disposição para se nela cumprir e fazer o que Vossa Alteza tanto deseja, a saber, acrescentamento da nossa santa fé.
E nesta maneira, Senhor, dou aqui a Vossa Alteza conta do que nesta terra vi. E, se algum pouco me alonguei, Ela me perdoe, pois o desejo que tinha de tudo vos dizer, mo fez pôr assim pelo miúdo.
E pois que, Senhor, é certo que, assim neste cargo que levo, com em outra qualquer coisa que de vosso serviço for, Vossa Alteza há de ser de mim muito bem servida, a Ela peço que, por me fazer graça especial, mande vir da ilha de São Tome a Jorge de Osório, meu genro - o que d` Ela receberei em muita merçê.
Beijo as mãos de Vossa Alteza.
Deste Porto Seguro, da vossa Ilha da Vera Cruz, hoje, sexta-feira, primeiro dia de maio de 1500.
Pero Vaz de Caminha

A lei Áurea

Lei nº 3.353, de 13 de maio de 1888.
 
Declara extinta a escravidão no Brasil.
 
A princesa Imperial, Regente em Nome de Sua Majestade o Imperador o Senhor D. Pedro li, faz saber a todos os súditos do Império que a Assembléia Geral Decretou e Ela sancionou a Lei seguinte:
 
Art. 1º É declarada extinta desde a data desta Lei a escravidão no Brasil.
 
Art. 2º Revogam-se as disposições em contrário.
 
Manda portanto a todas as autoridades a quem o conhecimento e execução da referida Lei pertencer, que a cumpram e façam cumprir e guardar tão inteiramente como nela se contém.
 
O Secretário de Estado dos Negócios d`Agricultura, Comércio e Obras Públicas e Interino dos Negócios Estrangeiros, Bacharel Rodrigo Augusto da Silva, do Conselho de Sua Majestade o Imperador, o faça imprimir, publicar e correr.
 
67º do Independência e do Império.
 
a) Princesa Imperial Regente
 
 
Carta de Lei, pela qual Vossa Alteza Imperial Manda executar o Decreto da Assembléia Geral que Houve por bem sancionar declarando extinta a escravidão no Brasil, como nela se declara.
 
Para Vossa Alteza Imperial ver.

O Descobrimento do Brasil

História do Descobrimento do Brasil
 
Em 22 de abril de 1500 chegava ao Brasil 13 caravelas portuguesas lideradas por Pedro Álvares Cabral. A primeira vista, eles acreditavam tratar-se de um grande monte, e chamaram-no de Monte Pascoal. No dia 26 de abril, foi celebrada a primeira missa no Brasil.
 
Após deixarem o local em direção à Índia, Cabral, na incerteza se a terra descoberta tratava-se de um continente ou de uma grande ilha, alterou o nome para Ilha de Vera Cruz. Após exploração realizada por outras expedições portuguesas, foi descoberto tratar-se realmente de um continente, e novamente o nome foi alterado. A nova terra passou a ser chamada de Terra de Santa Cruz. Somente depois da descoberta do pau-brasil, ocorrida no ano de 1511, nosso país passou a ser chamado pelo nome que conhecemos hoje: Brasil. 
 
A descoberta do Brasil ocorreu no período das grandes navegações, quando Portugal e Espanha exploravam o oceano em busca de novas terras. Poucos anos antes da descoberta do Brasil, em 1492, Cristóvão Colombo, navegando pela  Espanha, chegou a América, fato que ampliou as expectativas dos exploradores. Diante do fato de ambos terem as mesmas ambições e com objetivo de evitar guerras pela posse das terras, Portugal e Espanha assinaram o Tratado de Tordesilhas, em 1494. De acordo com este acordo, Portugal ficou com as terras recém descobertas que estavam a leste da linha imaginária (370 léguas a oeste das ilhas de Cabo Verde), enquanto a Espanha ficou com as terras a oeste desta linha. 
 
Mesmo com a descoberta das terras brasileiras, Portugal continuava empenhado no comércio com as Índias, pois as especiarias que os portugueses encontravam lá eram de grande valia para sua comercialização na Europa. As especiarias comercializadas eram: cravo, pimenta, canela, noz moscada, gengibre, porcelanas orientais, seda, etc. Enquanto realizava este lucrativo comércio, Portugal realizava no Brasil o extrativismo do pau-brasil, explorando da Mata Atlântica toneladas da valiosa madeira, cuja tinta vermelha era comercializada na Europa. Neste caso foi utilizado o escambo, ou seja, os indígenas recebiam dos portugueses algumas bugigangas (apitos, espelhos e chocalhos) e davam em troca o trabalho no corte e carregamento das toras de madeira até as caravelas. 
 
Foi somente a partir de 1530, com a expedição organizada por Martin Afonso de Souza, que a coroa portuguesa começou a interessar-se pela colonização da nova terra. Isso ocorreu, pois havia um grande receio dos portugueses em perderem as novas terras para invasores que haviam ficado de fora do tratado de Tordesilhas, como, por exemplo, franceses, holandeses e ingleses. Navegadores e piratas destes povos, estavam praticando a retirada ilegal de madeira de nossas matas. A colonização seria uma das formas de ocupar e proteger o território. Para tanto, os portugueses começaram a fazer experiências com o plantio da cana-de-açúcar, visando um promissor comércio desta mercadoria na Europa.

sexta-feira, 23 de maio de 2014

A turma da Mônica

A "Turma da Mônica" é atualmente a história em quadrinho brasileira mais publicada no mundo. A primeira tirinha oficial surgiu no ano de 1959, pelas mãos do criador Mauricio de Sousa. O primeiro personagem que Mauricio criou para a Turminha foi o simpático cãozinho, Bidu, e o jovem cientista, Franjinha.

Os personagens Cebolinha, Cascão, Chico Bento, Magali e Mônica foram surgindo depois. Ao contrário do que todos pensam, a Mônica não era a personagem principal. No começo, ela aparecia apenas como coadjuvante nas histórias do Cebolinha. Seu jeito bravo e engraçado acabou chamando a atenção de todos e em pouco tempo ela ganhou sua história própria.

A Turma da Mônica foi crescendo e crescendo, de forma que surgiram dezenas de personagens através dessas últimas décadas. Atualmente a turma principal é composta por diversos personagens secundários e quatro personagens principais. Cascão, o menino que não gosta de tomar banho, Magali, a garota comilona, Cebolinha, o garotinho que troca o R pelo L e, Mônica, a dona da rua, dentuça e brava.

Outra turma mais antiguinha e famosa, é a Turma do Chico Bento. Utilizando a roça como cenário, as tirinhas relatam a vida no interior de São Paulo. Poucos sabem, mas Chico Bento e seus amigos, são personagens que foram baseados na própria infância de Mauricio de Souza.

Existem ainda mais duas turmas que encantam os leitores há décadas, a Turma do Horácio e a Turma do Penadinho. A turma do Horário é composta pelo personagem principal, um filhote de Tiranossauro Rex e seus outros amigos pré-históricos. A turma do Penadinho é de outro mundo e, embora seja fantasmagórica possui personagens muito fofos.

A Turma da Mônica é super conhecida no Brasil, sendo difícil encontrar alguém que não goste dela. Você pode aproveitar a animação dessa turminha para enviar recados animados com eles. Basta apenas que você entre no site Clickut e envie gratuitamente o seu recado da Turma da Mônica.